O Mito da Baixa Libido

Władysław Podkowiński - "O Frenesi das Exultações", 1894

Dentre as queixas comuns na clínica psicológica, o incômodo com o desejo sexual (seja próprio ou do outro) ocupa um lugar importante. Pessoas de diversas idades demonstram uma preocupação genuína em corresponder (ou esperar que os outros correspondam) ao papel que lhes é atribuído, seja de esposas sensuais, homens viris ou jovens liberais. Independentemente do formato, quando essa performance falha, a culpa tende a ser colocada na libido.

É certo dizer que, muito provavelmente, a sua libido está ótima. Digo provavelmente, porque jamais pode ser ignorada a influência hormonal (dentre outras) sobre tudo o que diz respeito ao nosso corpo e comportamento, portanto a sexualidade não é exceção. Porém, se o seu médico te disse que a sua saúde está em ordem, a sua libido também está. A tendência em culpar o nosso desejo é, parcialmente, culpa da ciência - ou melhor, da interpretação que fizemos de achados científicos.

Em estudos clássicos sobre a sexualidade, dos quais podemos destacar a pesquisa liderada por Masters e Johnson (MAIER, 2013), os aspectos fisiológicos do ato sexual sempre foram cuidadosamente estudados. Graças a eles, hoje temos um mapeamento muito preciso das mudanças físicas que ocorrem antes, durante e depois do sexo. Esse foco em manifestações tão concretas e observáveis da reação do corpo ao sexo implicou em uma crença generalizada de que a excitação e o prazer estão associados à vasodilatação, à lubrificação, à ereção e ao orgasmo. De mesma forma, ainda é difundida a ideia de que existem pessoas mais ou menos propensas a ter libido e a sentir mais ou menos prazer com relações sexuais.

O que é pouco difundido é que a aplicação dos resultados desses estudos para a compreensão de como se comporta a libido é um equívoco muito grande, porque a forma com a qual o nosso desejo se manifesta é, também, subjetiva. Pode parecer surpreendente diante daquilo que estamos acostumados enquanto sociedade, mas o consenso científico mais recente, apresentado nos anos 2000 por Rosemary Basson, é que a libido não é espontânea e sim responsiva. Isso significa que se você não tiver estímulos sexuais suficientes para te deixar excitado, sejam eles físicos ou mentais, você não vai se interessar em fazer sexo. Depois de uma rotina estressante e sem atrativos eróticos, a ideia de chegar ao final do dia se comportando como o homem insaciável ou a esposa libidinosa se torna algo distante da realidade.

O desejo sexual é um estado momentâneo e transitório que deve ser despertado. Para que ele se faça presente, é preciso que sejam oferecidas as condições adequadas. Se não houver estímulos sensuais alinhados com o que você gosta, seja em pensamento ou em termos mais práticos, a libido vai permanecer inativa. Ainda mais importante, deve-se entender que essa é uma construção diária e o investimento no prazer não deve ocorrer somente na hora do sexo.

Não é incomum que os casais se lembrem, saudosos, do início do relacionamento, em que sua vida sexual era mais ativa. Em geral, isso acontece porque destinamos esforços para a conquista da pessoa com quem nos relacionamos, prestando mais atenção à aparência, dando presentes, mostrando as nossas qualidades, criando ocasiões especiais e jantares românticos - ou seja, situações que não estão tão obviamente associadas ao sexo, mas que alimentam a autoestima sexual de forma implícita. Ressignificar esses estímulos sensuais no momento presente é essencial para a manutenção do interesse na vida sexual. A comunicação assertiva e o conhecimento do próprio desejo são os principais aliados nesta jornada. Para saber como a Terapia Cognitiva Sexual pode te auxiliar nesse processo, fale comigo nesse link ou me mande um e-mail clicando aqui.


Anne Caroline da Silva

Psicóloga CRP 08/35969

anne.css@outlook.com

+55 41 98869-5821




REFERÊNCIAS


Basson R. Using a different model for female sexual response to address women’s problematic low sexual desire. J Sex Marital Ther. 2001; 27 (5):395-403.


Basson R, Brotto LA, Laan E, Redmond G, Utian WH. Assessment and management of women’s sexual dysfunctions: problematic desire and arousal. J Sex Med. 2005; 2 (3): 291-300.


Basson R, Leiblum S, Brotto L, et al. Definitions of women’s sexual dysfunction reconsidered: advocating expansion and revision. J Psychosom Obstet Gynaecol. 2003; 24 (4): 221-9.


Basson R. Introduction to special issue on women’s sexuality and outline of assessment of sexual problems. Menopause. 2004;11(6 Pt 2):709-13.


MAIER, Thomas. Masters of Sex. LeYa, 2014.


SARDINHA, Aline. Terapia Cognitiva Sexual - Teoria e Prática. Episteme Editora, 2020.